segunda-feira, 25 de fevereiro de 2013

Miguel Esteves Cardoso, "Declaração de Amor"

Quem é que tem a sorte de ter um amor dele ou dela que ama ou que tem, seja amado ou amada? Tenho eu e conheço muitas pessoas que já têm ou que vão ter. Mas, tal como todos os outros apaixonados e todas as outras apaixonadas, desconfio, com calor na alma, que ninguém tem o amor que eu tenho pela Maria João, meu amor, minha mulher, minha salvação.
O amor sai caro - medo de perdê-la, medo do tempo a passar, medo do futuro - mas paga-se sem se dar por isso. Mentira. Dá-se por isso só nos intervalos de receber, receber, receber e dar, dar, dar.
Basta uma pequena zanga para parecer que todo aquele amor desmoronou: "Onde está esse teu apregoado amor por mim (de mãos nas ancas), agora que eu preciso dele?"
Quanto maior o amor, mais frágil parece. Quanto maior o amor, mais pequeno é o gesto que parece traí-lo. Mas com que alegria nos habituamos a viver nesse regime de tal terror!
Maria João, meu amor: o barulho que faz a felicidade é ouvires-me a perder tempo a resmungar e a pedir que tudo continue exactamente como está, para sempre. Que nada melhore. Que não tenhamos mais sorte do que já temos. Que nada mude nunca, a não ser quando mudamos juntos. E que fiquemos sempre não só com o que temos mas um com o outro.
É este o tempo que eu quero que dure, tu és o amor que eu tenho. Nunca te demores quando estás longe de mim, tem sempre cuidado, trata-te nas palminhas, que, cada vez que olho para ti, o meu coração cresce e eu amo-te cada vez mais.
Miguel Esteves Cardoso, in 'Jornal Público' (14 Fevereiro 2013)

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Nuno Júdice, "Fragmento de ode"

Como o esboço de uma rosa,
um caule de verão sobe o rio
do teu corpo.

Os seus remos são versos
nesta barca de palavras que
procura a tua fonte.

E quando te encontrar,
a frase do amor abrirá a porta
dos lábios.

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Blogue de Nuno Júdice, A a Z

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

João Luís Barreto Guimarães, "A meias"

Bebo o meu café enquanto bebes
do meu café. Intriga-me que faças isso.
Se te posso pedir um
(se podes tomar um igual)
porque hás-de querer do meu?
Que
não. Que não queres. Escuso
de pedir
que não queres. Então
começo um cigarro e tu fumas
do meu cigarro dizes
«tenho quase a certeza de
não acabar um sozinha» por isso
fumas do meu.
Dá-te gozo esse roubar de
leves goles furtivos
dá gozo participar
do prazer que eu possa ter
contigo
(e entre nós)
dá-se agora tudo
a meias.
Extraído de:
(in «Poesia Reunida», Quetzal, Lisboa, 2011)
 
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terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

D. Dinis, "Ai flores, ai flores do verde pino"



̶  Ai flores, ai flores do verde pino,
se sabedes novas do meu amigo?
Ai Deus, e u é?

Ai flores, ai flores do verde ramo,
se sabedes novas do meu amado?
Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amigo,
aquel que mentiu do que pôs conmigo?
Ai Deus, e u é?

Se sabedes novas do meu amado,
aquel que mentiu do que mi há jurado?
Ai Deus, e u é?

̶  Vós me preguntades polo voss'amigo
e eu bem vos digo que é san'e vivo.
Ai Deus, e u é?

̶  Vós me preguntades polo voss'amado
e eu bem vos digo que é viv'e sano
Ai Deus, e u é?

̶  E eu bem vos digo que é san'e vivo
e será vosco ant'o prazo saído.
Ai Deus, e u é?

̶  E eu bem vos digo que é viv'e sano
e será vosc[o] ant'o prazo passado.
Ai Deus, e u é?


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terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Álamo Oliveira, Excerto de "Até hoje (memórias de cão)"

"[…]

Começou por sentir uma carícia no rosto. Aguentou-a de olhos fechados, um gozo longo e subterrâneo. Ainda a música lenta, suave, que a Emissora Oficial de Bissau irradiava num comprimento mal medido de onda. E a voz contida «João!» Finalmente abre os olhos. Fernando está ali a sorrir, a sorrir, a mão leve mantida no rosto. «Dormiste toda a tarde. O que é que vais fazer de noite?» / «Acredita que fiz boa viagem…» Fernando está agora curioso. «Sonhaste?» / «Foi lindo, Fernando!» / «Sonhaste comigo?» / «Oh, não!» Saltou da cama apoiado em Fernando e saíram. Começava a escurecer. Jantaram. Depois, foi o bar, a cerveja, a vertigem. E a carta da Isabel entregue ao seu sepulcro. O sonho acabara. Fatalmente. Está aí a noite, solene senhora das trevas, manto negro do mundo. E Fernando também nos seus cuidados múltiplos, no seu querer entregar-se. João não acredita ainda nessa ternura que o toca e o estremece. Parece amor de romance escrito. As palavras não poderão ser apagadas, assim as quis o autor, cumpra-se-lhe a vontade. Mas tem o desejo imenso de lhe dar qualquer coisa. Desfaz a carteira dos cigarros e no seu avesso desenha, traços rápidos de esferográfica. «Da minha ilha, para ti.» Fernando pega no papel, observa-o demoradamente, beija-o e guarda-o no bolso da camisa, do lado do coração. No papel, estão duas garças em pleno voo, belas como num desenho infantil.
            «Ainda não é novembro, João?...»
            […]"

Oliveira, Álamo (1988). Até Hoje (memórias de cão).

Angra do Heroísmo: Signo. pp. 73-74.
 

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Walter Riso, Excerto de "Amores altamente peligrosos"



¿Por qué fallamos tanto en el amor? ¿Por qué tanta gente elige la persona equivocada o se enfrasca en relaciones tan peligrosas como irracionales? ¿Por qué nos resignamos a tener relaciones dolorosas? Creemos que el amor es infalible y olvidamos algo elemental para la supervivencia amorosa: no todas las propuestas afectivas son convenientes para nuestro bienestar. Nos guste o no, algunas maneras de amar son francamente insoportables y agotadoras, así tengamos instinto masoquista y vocación de servicio.
[…]
Se nos ha insinuado que hay que aceptar a la pareja tal y como es, y que no es conveniente pedirle que haga cosas que “no le nacen” o que no quiera hacer; es decir, que hay una esencia que debe acatarse por respeto al otro. En esto hay acuerdo, pero también hay condiciones. Yo diría: aceptar el modo de ser de la pareja, siempre y cuando no tengamos que inmolarnos psicológicamente en el intento. Te acepto como eres, si esto no implica autodestruirme por hacerte feliz, porque si tu felicidad es inversamente proporcional a la mía, algo está funcionando mal entre nosotros. Frente a una incompatibilidad de raíz, la voluntad y las buenas intenciones no suelen ser suficientes para resolver el problema. ¿Cómo sostener una relación sana y apacible con alguien que se cree especial y único y sólo es capaz de quererse a sí mismo? ¿Cómo lograr una relación siquiera decorosa con quien te considera una persona desechable o con alguien cuyos sentimientos hacia ti oscilan constantemente entre el amor y el odio? ¿Cómo sobrevivir a un amor hostigante que no te deja respirar o a un amor subversivo y ambivalente que no puede vivir “ni contigo ni sin ti”? ¿Cómo mantener una relación recíproca y cariñosa cuando tu pareja te impide expresar afecto? ¿Cómo vivir el amor en paz con alguien que te controla porque cree que eres un ser inútil e incapaz? ¿Te entregarías en cuerpo y alma a quien te considera un enemigo potencial y se arrepiente de amarte cada día de su vida? ¿Seguirías con una persona infiel que no es capaz de dejar su amante? ¡Hay tantos mártires venerados por la cultura del amor incondicional!
Es innegable que no todos tenemos la misma concepción sobre lo que debe ser una buena relación de pareja. Hay quienes consideran que un vínculo basado en el amor es para toda la vida y, en consecuencia, no habrá límites para la tolerancia. Y están los que piensan que no es necesario morir con las botas puestas y que el amor nada tiene que ver con aguantar la irracionalidad y la patología del otro. Cada quien decide qué hacer y hasta dónde llegar, de acuerdo con su visión del mundo y sus creencias. No obstante, podemos llegar a un acuerdo sobre lo fundamental: una relación bien establecida será aquella en que ambos se encuentran satisfechos, pueden realizar sus proyectos de vida y no ven pisoteados sus derechos. Pero insisto: ambos.
[…]
Riso, Walter (2012). Amores altamente peligrosos. Ciudad de México: Editorial Océano. pp. 13-16. Introducción disponible en http://www.walter-riso.com/files/capitulos/AMORES%20ALTAMENTE%20PELIGROSOS....pdf



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